Todos nós construímos “personas”, máscaras sociais que nos ajudam a navegar o mundo. No entanto, algumas personas tornam-se particularmente rígidas e desgastantes.
Um exemplo comum é a “persona da seriedade”: o indivíduo que sente uma necessidade constante de parecer sério, controlado e responsável, reprimindo qualquer impulso percebido como “bobo”, “infantil” ou “irresponsável”. De onde vem essa necessidade e quais são suas consequências psicológicas?
Do centro do universo à busca por sentido: nossa relação com o ‘ser especial’
A psicologia analítica, especialmente a partir de Freud, reconhece que nascemos com um “narcisismo primário” – a sensação de sermos o centro do universo, totalmente dependentes e merecedores de cuidado.
A vida, contudo, nos confronta com nossas limitações e com a existência dos outros, diluindo essa sensação inicial de especialidade.

Muitos de nós, então, passamos a vida tentando, inconscientemente, recapturar esse sentimento ou, ao contrário, negá-lo veementemente. A busca por um “propósito” grandioso ou a afirmação de que “ninguém é especial” podem ser duas faces dessa mesma moeda – a dificuldade em lidar com a tensão entre nossa necessidade de nos sentirmos significativos e a realidade de nossa condição humana comum.
Encontrar um “sentido” na vida, como propôs Frankl, muitas vezes envolve aceitar essa condição e encontrar valor nas experiências e conexões reais, em vez de perseguir um ideal de especialidade inatingível.
A persona rígida: quando o medo de ser ‘ruim’ nos impede de viver
O medo de não ser “bom o suficiente” ou, mais profundamente, o medo de ter dentro de si impulsos considerados “ruins” (como arrogância, preguiça, infantilidade) pode levar à construção de personas compensatórias.
Um cliente que teme soar arrogante pode adotar uma postura de extrema humildade ou autodepreciação. Outro, que recebeu mensagens na infância de que era “bobo” ou que suas brincadeiras eram inadequadas, pode desenvolver uma persona excessivamente séria e controlada.
Como Winnicott descreveria, um “Falso Self” é criado para proteger o “Verdadeiro Self” percebido como vulnerável ou inaceitável. O problema é que essa persona rígida, embora defensiva, impede a espontaneidade, a criatividade e a leveza.
O indivíduo vive em constante esforço para manter a fachada, temendo que qualquer deslize revele o “eu” indesejado que ele tenta esconder. Esse esforço é psicologicamente exaustivo e impede a experiência de uma vida autêntica.
Rastreando o inconsciente: como padrões revelam o caminho do autoconhecimento
Como romper com essas personas limitantes? O processo analítico busca justamente “rastrear” os padrões que se repetem em diferentes áreas da vida do indivíduo.
A dificuldade em aceitar o merecimento, a necessidade de parecer sério, a forma como se negocia com o poder – tudo isso pode apontar para um núcleo comum de crenças e conflitos inconscientes. Ao trazer esses padrões à consciência, o indivíduo pode começar a questioná-los e a entender suas origens.

A análise não visa eliminar os aspectos “sombrios” ou indesejados da personalidade (como Jung argumentaria, eles são parte integrante do ser), mas sim integrá-los de forma mais consciente e menos defensiva.
Permitir-se ser “bobo” às vezes, aceitar o direito ao descanso (“ócio”) ou reconhecer o próprio valor sem temer a arrogância são passos importantes nessa integração.
Conclusão
A rigidez da persona, como a da seriedade excessiva, é muitas vezes uma defesa contra medos profundos de inadequação ou de impulsos internos percebidos como negativos. Embora possa oferecer uma sensação temporária de controle, ela limita a expressão autêntica e gera um grande custo emocional. O caminho para uma maior leveza e bem-estar envolve reconhecer e compreender esses padrões defensivos, questionar as crenças subjacentes sobre merecimento e valor, e ousar experimentar uma maior flexibilidade na expressão do self, permitindo que tanto a seriedade quanto a leveza, a responsabilidade quanto o “ócio”, coexistam de forma mais integrada e harmoniosa.
Palavras-chave: sentido da vida, merecimento, persona, falso self, Winnicott, Jung, autoconhecimento, medo, arrogância, psicologia analítica, psicoterapia, bem-estar, seriedade.