Pessoa em traje de papel social olhando figura translúcida livre ao lado.

Libertando-se das expectativas: o papel da terapia em mudar a percepção da realidade

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A experiência humana é profundamente moldada pelas expectativas; as que temos sobre nós mesmos e as que percebemos (ou projetamos) nos outros, especialmente no seio familiar.

Frequentemente, essas expectativas funcionam como roteiros invisíveis, ditando papéis e comportamentos que podem gerar sofrimento e limitar nosso potencial de crescimento. O processo terapêutico, em grande medida, visa trazer consciência a essas dinâmicas, permitindo ao indivíduo reinterpretar sua realidade e encontrar maior liberdade para ser quem realmente é.

Pessoa em traje de papel social olhando figura translúcida livre ao lado.
“permitindo ao indivíduo reinterpretar sua realidade e encontrar maior liberdade para ser quem realmente é.”

Um dos mecanismos mais poderosos em ação nas dinâmicas familiares é a atribuição e manutenção de papéis fixos. O “alcoólatra conveniente”, mencionado em um contexto clínico, serve como um exemplo claro. Manter alguém nesse papel, mesmo que inconscientemente, pode ser funcional para o sistema: ele se torna o “bode expiatório”, atraindo o foco e o julgamento, o que permite aos outros membros desviarem a atenção de suas próprias questões.

A pessoa que ocupa esse papel, por sua vez, pode internalizar essa identidade, dificultando a própria recuperação. Reconhecer essa “conveniência” sistêmica é um passo crucial para desconstruir o rótulo e abrir espaço para a mudança, tanto para o indivíduo rotulado quanto para a família como um todo. O mesmo se aplica a outros rótulos, como “a desorganizada” ou “o irresponsável”.

A velocidade da consciência e a gestão dos “deslizes”

Todos nós temos pensamentos e julgamentos automáticos. A diferença que um processo de autoconhecimento, como a psicoterapia, pode trazer não é a eliminação desses pensamentos, mas o aumento da velocidade com que a consciência se apresenta para observá-los e gerenciá-los.

Uma indivíduo pode perceber um pensamento crítico sobre um familiar e, instantes depois, reconhecer a origem desse pensamento (talvez uma projeção ou um padrão antigo) e escolher não agir sobre ele ou expressá-lo de forma mais construtiva.

Essa capacidade de observar o próprio “deslize” interno ou externo (um comentário maldoso, um ato impulsivo) sem cair em autocondenação prolongada é um sinal de maturidade emocional. É entender que esses momentos não definem a totalidade do ser.

Acolher o deslize, tanto em si quanto no outro, com empatia e foco na trajetória geral de esforço, é fundamental para sustentar processos de mudança e evitar ciclos de culpa e recaída. A consciência que chega mais rápido interrompe o automatismo e abre espaço para a escolha.

Reinterpretando a subestimação: a liberdade de ser

Sentir-se subestimado ou encaixotado em uma imagem negativa pela família ou pelo grupo social é uma experiência dolorosa. A reação inicial pode ser defensiva ou de busca por validação externa.

Contudo, uma reinterpretação poderosa, que emerge com o fortalecimento do self, é ver essa subestimação não como uma sentença, mas como uma libertação. Se as expectativas sobre mim já são baixas, ou se estou preso a um rótulo que não me define, então não tenho mais a obrigação de corresponder a ele, nem a um ideal oposto.

Qualquer passo em direção ao crescimento torna-se uma vitória pessoal, não uma tentativa de agradar ou contrariar expectativas alheias. É encontrar a liberdade que talvez sintam aqueles que “não têm nada a perder”, como o exemplo de um bem sucedido empresário que começou dormindo no papelão. Essa liberdade permite seguir a própria direção, a “luz no fim do túnel” da autenticidade, guiado pela própria bússola interna e não pelos mapas impostos de fora.

Essa perspectiva, expressa por um cliente com a frase “Adoro que me subestimem, porque daqui pra frente é lucro”, pode parecer paradoxal, mas contém uma profunda sabedoria psicológica. Ao abandonar a luta contra a imagem projetada pelos outros, a pessoa se libera da pressão de ter que provar algo.

Pessoa caminhando de local humilde para luz no horizonte, simbolizando superação de subestimação.
“Adoro que me subestimem, porque daqui pra frente é lucro.”

Conclusão: o extraordinário na presença autêntica

A jornada para se libertar das expectativas paralisantes e dos papéis familiares restritivos passa por cultivar a autoconsciência, praticar a reinterpretação das experiências e desenvolver a empatia por si e pelos outros. É um caminho que nos leva a questionar o que consideramos “extraordinário”, muitas vezes descobrindo que ele não reside em conquistas externas grandiosas ou em ideais de perfeição, mas na qualidade da nossa presença, na autenticidade das nossas conexões e na liberdade de sermos quem somos.

Assim como um simples “nó no lençol” podia significar o mundo para uma criança, são os pequenos gestos de reconhecimento, presença e aceitação que nutrem a alma e dão verdadeiro sentido à complexa e fascinante tapeçaria da vida humana. A terapia é um guia nesse percurso de descoberta e libertação.

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