A comunicação humana é um intrincado balé de palavras, intenções, emoções e mecanismos de defesa inconscientes. Frequentemente, desenvolvemos estilos comunicacionais que visam facilitar a convivência social, mas que podem, paradoxalmente, nos afastar da expressão autêntica de nossas necessidades e do estabelecimento de limites interpessoais saudáveis. A psicanálise, ao investigar as camadas mais profundas da mente, oferece insights valiosos para compreendermos por que nos comunicamos de certas maneiras e como podemos desenvolver uma assertividade mais genuína e eficaz, especialmente em contextos de conflito ou desrespeito.

Um desses estilos defensivos é o recurso constante ao humor ou à leveza, mesmo em situações que demandam seriedade. A pessoa que transforma tudo em piada pode, inicialmente, parecer agradável e descomplicada, mas corre o risco de não ser levada a sério quando precisa expressar um descontentamento real ou defender uma posição importante.
O analista, ao escutar o relato de um cliente que se arrepende de ter sido “polido demais” ao confrontar um amigo por um comportamento inadequado, pode explorar as raízes dessa dificuldade.
Seria um medo inconsciente de rejeição? Uma dificuldade em acessar e expressar a própria agressividade (no sentido psicanalítico de força autoafirmativa)? Ou um padrão aprendido de evitar conflitos a qualquer custo? Trazer essas motivações ocultas à consciência é o primeiro passo para desmontar o padrão defensivo e abrir espaço para uma comunicação mais direta e congruente.
A mudança de perspectiva: do outro para o eu
Em situações de ofensa envolvendo terceiros próximos, como um amigo que desrespeita o parceiro(a), a reação inicial costuma ser focada na proteção do ente querido. Contudo, um insight terapêutico fundamental é o deslocamento do foco: reconhecer que a falta de respeito dirigida ao parceiro(a) é, em última análise, uma violação do nosso próprio espaço relacional e um desrespeito a nós mesmos. Essa percepção (“Ele faltou com respeito comigo ao desrespeitar minha parceira e nossa relação”) altera significativamente a dinâmica interna.
A motivação para confrontar a situação deixa de ser apenas um dever externo (defender o outro) e passa a ser uma necessidade interna de autoafirmação e defesa dos próprios limites. Essa mudança de perspectiva tende a fornecer a convicção e a energia psíquica necessárias para uma comunicação mais firme e assertiva, pois estamos falando a partir de um lugar de auto-respeito e valorização do próprio território emocional e relacional. A questão deixa de ser apenas sobre o ato do ofensor e passa a ser sobre o tipo de relação e respeito que exigimos para nós mesmos.
Entendendo a reação emocional: projeção e repressão
A intensidade de nossa resposta emocional a atos inadequados de outros também merece investigação. A teoria psicanalítica da projeção sugere que, por vezes, a raiva ou o incômodo que sentimos em relação a alguém pode estar amplificada por aspectos reprimidos em nós mesmos. O amigo que “perde a noção” ao beber pode despertar nossa fúria não apenas pelo ato em si, mas porque ele talvez manifeste impulsos que nós mesmos lutamos para controlar. A tensão interna entre o desejo reprimido e a instância moral que o proíbe (o superego) pode ser projetada no outro, que se torna o depositário de nossa própria sombra.

Compreender essa possibilidade não invalida a necessidade de confrontar o comportamento inadequado, mas permite fazê-lo de forma menos reativa e mais consciente. A análise ajuda a discernir o que é uma resposta objetiva à situação e o que é uma ressonância de nossos próprios conflitos internos. Isso possibilita uma assertividade mais limpa, focada no estabelecimento de limites e na busca por respeito, em vez de uma explosão de raiva carregada de projeções inconscientes.
Estratégias terapêuticas para a comunicação
Além da compreensão das dinâmicas internas, a terapia pode explorar estratégias comunicacionais. A técnica do “proxy”, por exemplo, onde se utiliza uma história ou um exemplo externo para abordar indiretamente um tema delicado com o parceiro, pode ser útil para contornar defesas e iniciar um diálogo construtivo.
No confronto direto, a ênfase recai sobre a clareza, a calma e a firmeza, expressando o sentimento (“Estou aborrecido”), descrevendo o fato (“pelo que aconteceu”), explicando o impacto (“isso criou um mau clima”) e estabelecendo um limite (“espero que não se repita”), sem necessariamente recorrer a acusações ou agressividade verbal.
Conclusão: assertividade como expressão do self
A jornada para uma comunicação assertiva é, em essência, uma jornada de autoconhecimento e autoafirmação. Ao compreendermos nossos padrões defensivos, reconhecermos a importância do auto-respeito no estabelecimento de limites e entendermos a complexidade de nossas reações emocionais, podemos desenvolver uma voz mais autêntica e eficaz.
A psicanálise oferece um caminho para essa exploração profunda, ajudando-nos a remover os obstáculos inconscientes que nos impedem de falar com clareza e respeito (por nós mesmos e pelos outros). O objetivo final não é a perfeição comunicacional, mas a capacidade crescente de expressar nosso verdadeiro self no mundo e nas relações.