Reuniões de família podem ser momentos de alegria e conexão, mas para muitos, também são sinônimo de tensão, desconforto e a exaustiva necessidade de “vestir uma máscara”. Seja para agradar, evitar conflitos ou simplesmente navegar em dinâmicas complexas, fingir ser quem não somos tem um custo emocional alto. Por que fazemos isso e como podemos buscar mais autenticidade nesses encontros?
Visitante na própria família: o desconforto da falta de pertencimento
Às vezes, especialmente em famílias recompostas ou onde houve conflitos passados, podemos nos sentir como estranhos em nossa própria casa de origem. “Sofia”, por exemplo, sente-se nervosa ao visitar seu pai, “Roberto”, e a madrasta, “Clara”. A formalidade do pai e a percepção de falsidade na madrasta a fazem sentir como uma convidada, não como parte da família.
Essa sensação de não pertencimento é dolorosa e gera um dilema: como agir?

Muitas vezes, a resposta automática é adotar uma persona – a filha agradável, a enteada diplomática – para garantir uma convivência minimamente pacífica. O problema é que essa máscara, como descrito por Carl Jung, embora útil socialmente, quando usada excessivamente ou em situações onde ansiamos por intimidade, torna-se uma fonte de grande desgaste psicológico.
O jogo das projeções: quando o medo do outro espelha o nosso
Por trás da necessidade de usar máscaras, frequentemente se escondem medos e inseguranças – tanto nossos quanto dos outros. Clara, a madrasta de Sofia, pode ter recebido a enteada com hostilidade velada não por algo que Sofia fez, mas por projetar nela seus próprios medos de rejeição ou culpa relacionados ao início do relacionamento com Roberto.
Como a psicanálise nos ensina, projetamos nos outros partes de nós mesmos que não reconhecemos ou não aceitamos. Sofia, por sua vez, ao sentir a hostilidade (real ou imaginada) de Clara e a distância do pai, pode sentir medo de piorar a situação se for “ela mesma” (talvez mais quieta ou menos efusiva do que eles esperam).
Esse medo a leva a manter a máscara da “tudo bem-nidade”, gerando frustração e ressentimento por não poder ser autêntica. É um ciclo vicioso alimentado por projeções mútuas e pela falta de comunicação honesta.
A coragem de ser real: vale a pena tirar a máscara?
A grande questão é: vale a pena arriscar ser autêntico, mesmo que isso possa gerar conflito inicial? A resposta não é simples e depende de cada situação.
No entanto, o custo de manter a persona indefinidamente é alto: cansaço, frustração, ressentimento e a sensação de viver uma vida inautêntica. Para Sofia, a ideia de simplesmente “ser normal” durante a visita – mais tranquila, como é sua natureza – é assustadora, pois ela teme o julgamento (“vão achar que sou mal educada, mal agradecida”).

Contudo, talvez o “risco” de desandar a relação já distante seja menor do que o benefício de se libertar do fardo da máscara. Escolher a autenticidade, mesmo que isso signifique aceitar que a relação não será como idealizamos, pode trazer uma paz interior inesperada. É um ato de auto-respeito que nos permite sair do papel de vítima das circunstâncias e assumir a responsabilidade por nossa própria experiência emocional.
Conclusão
Navegar em relações familiares complexas exige muito de nós. A tentação de usar máscaras para evitar conflitos é grande, mas o preço da inautenticidade é o cansaço e a frustração. Reconhecer as dinâmicas de projeção, entender nossos próprios medos e os dos outros, e ousar experimentar ser um pouco mais autêntico, mesmo que isso gere desconforto inicial, podem ser passos importantes para construir relações mais genuínas ou, ao menos, para encontrar paz interior em meio às complexidades familiares. A busca pela autenticidade é uma jornada contínua, mas libertadora.
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